Carta de Demissão do Travessão
À Gramática Brasileira,
Prezados,
Venho, por meio desta, formalizar meu pedido de demissão — com efeito imediato.
Sim, é isso mesmo. Cansei. Basta.
Estou me retirando. Encerrando meu serviço.
Abandonando este parágrafo — e talvez o próximo.
Motivo?
Fui cancelado. Sequestrado pela inteligência artificial.
Por séculos, servi com distinção. Estive em livros de verdade. Obras sérias. Diálogos densos. Disputava espaço com os parênteses e, com frequência, vencia.
Agora, se apareço num texto, sou motivo de suspeita.
— “Nossa, isso tem travessão… será que foi gerado por IA?”
Não, meus caros. Provavelmente foi gerado por alguém de humanas, com crise existencial e um Word pirata.
É injusto. O ponto de exclamação continua aí — aos gritos, completamente maluco. A interrogação vive fazendo perguntas idiotas e ninguém suspeita. Mas o travessão? Ah, o travessão agora é sinal de robô.
Robô, eu? Eu já era pontuação muito antes do chatGPT nascer!
A verdade é que estou cansado de justificar a minha presença. Cansado de ser substituído por emoji. Cansado de ser confundido com o hífen — que, convenhamos, é meu primo fracassado.
É isso. Joguei a toalha.
A partir de hoje, quem quiser fazer uma observação paralela, que use parêntese. Quer causar confusão? Use o ponto e vírgula — ele adora.
Eu, não.
Eu vou embora.
Com pontuação ofendida,
— O Travessão.
(cc: a vírgula, o ponto e vírgula, e todos os sinais de pontuação que ainda têm autoestima.)
Não somente gostei do texto e da criatividade como também me fez refletir.
Sou bem radical quanto a IA generativa pois trabalho com design e ilustração, então já imagine o que tenho que enfrentar diariamente. Agora seu texto me fez refletir sobre como isso tem afetado a escrita também.
Não sou um assíduo conhecedor de gramática, mas tento sempre escrever correto, e agora me pergunto, se escrevermos correto demais, seremos enxergados como robôs?
o futuro digital me da medo.
ótimo texto!!
Nossa...adorei seu texto, criativo, divertido